A 35 quilômetros da Praça dos Três Poderes, área
extrapola os limites oficiais de 934,4 hectares, equivalentes ao tamanho de
quase 1.000 campos de futebol
Novos
barracos surgem a cada instante no Sol Nascente. Apesar da fiscalização, a
favela não para de crescer - Jorge William / Agência O Globo
POR RENATA MARIZ
/ ÉPOCA
No início dos anos 2000, Maria Iraneide
Jacaúna pegou R$ 3 mil e comprou um lote de 300 metros quadrados
numa área recém-batizada de Sol Nascente. Era uma invasão que se formava no
meio do mato nos confins de Ceilândia, a maior cidade-satélite de Brasília, com
altos índices de violência. No local, só havia luz de vela, a água tinha de ser
buscada na casa de parentes ou conhecidos, o transporte público não chegava. As
empresas de ônibus se recusavam a abrir uma nova linha e alegavam que lá só
havia meia dúzia de pessoas. O argumento indignava Jacaúna. “Onde já se viu
dizer que tinha pouca gente para atender?”, lembra a cearense de Crateús, que
esteve à frente da reivindicação por ônibus.
Naquela época, classificar a população
do Sol Nascente como grande ou pequena dependia dos interesses de cada lado —
moradores versus companhias de transporte. Hoje, menos de 20 anos depois, a
comunidade se impõe como candidata a maior favela do Brasil. O posto de segunda
colocada no ranking foi alcançado em 2010, quando o último Censo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o Sol Nascente, com
56.483 moradores, só perdia em número de habitantes para a Rocinha, no Rio de
Janeiro, que abrigava 69.161 pessoas.
Enquanto o morro carioca se mantém sem
surtos de expansão territorial nos últimos anos, a favela horizontal em solo
plano, a apenas 35 quilômetros do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional,
não para de crescer. Apesar da fiscalização do governo do Distrito Federal, que
já fez derrubadas de casas e barracos no local, o Sol Nascente vai se
espalhando para além do tamanho oficial, delimitado ainda em 2009, de 934,4
hectares — tamanho de quase 1.000 campos de futebol. A estimativa é que hoje
100 mil pessoas habitem a área invadida. É gente que, apesar da proximidade com
o poder, em geral só circula nos palácios, prédios tombados e quadras
planejadas de Brasília prestando serviços de baixa qualificação, como
domésticas, pedreiros, copeiras e ambulantes.
O Sol Nascente está organizado em três
trechos. O de número 3 é o maior, mais populoso e com menos infraestrutura. Foi
lá que Jacaúna, a mulher que liderava a briga pelo transporte público, comprou
seu lote parcelado a um valor correspondente a cerca de 16 salários mínimos da
época. Ela queria, como todos os demais aventureiros que rumavam com as
famílias para um lugar sem qualquer estrutura, fugir do aluguel.
“Quando a gente tem uma oportunidade de
ter nosso teto, de ter a casa própria, a gente agarra. Por mais difícil que
seja no início”, diz a moradora de 60 anos, que aos 32 deixou Crateús e o
primeiro marido, que a maltratava, em busca de oportunidades melhores na
capital do país. A cearense conta que, por alguns anos, faziam “gambiarra” para
ter água e luz. Até que, entre 2006 e 2007, depois de muita pressão,
conseguiram o serviço oficial. “Todo mundo queria ter sua conta, legalmente.
Nós compramos os hidrômetros, corremos atrás da estrutura.”
Jacaúna tem cabelos tingidos em tom
avermelhado com a raiz branca aparente, pálpebras que pesam sobre os olhos e
uma risada sonora. É vista como uma líder comunitária. Enxerga-se apenas como
mais uma entre a “mulherada potente” que batalhou melhorias na região. Vivendo
de fazer marmitas e vender alho amassado, hoje ela gasta boa parte da energia
coordenando a construção, dentro de seu terreno, de quitinetes para as quatro
filhas, os cinco netos e o primeiro bisneto — ainda na barriga de Poliana, de
16 anos.
A cearense Maria
Iraneide Jacaúna, de Crateús, chegou ao Sol Nascente no início dos anos 2000 -
líder comunitária, batalhou por água, luz e ônibus para a favela. Em seu
terreno, constrói quitinetes para a família - Jorge William / Agência O
Globo
De um azul-claro que faz doer a vista,
o céu contrasta com a poeira que sobe das avenidas esburacadas do Sol Nascente.
O trecho 3 praticamente não tem asfalto. No setor 2, são cerca de 50% de vias
cobertas. E, no setor 1, 100%. Nas vias pavimentadas se concentra o comércio da
região. O movimento de moradores é intenso. Botecos, muitos com mesas de
sinuca, dividem espaço com salões de beleza, armarinhos, lanchonetes e
mercadinhos. Há alguns restaurantes modestos e mercados maiores.
A concentração de igrejas é, porém, o
que mais chama a atenção. Na única avenida pavimentada do trecho 3, de 900
metros, há 16 templos. Alguns estão divididos por um mesmo muro. As opções são
muitas: Igreja Internacional Sementes da Fé, Igreja Plenitude da Graça, Igreja
Batista Gênesis. Em geral, ocupam espaços minúsculos com fachadas
malconservadas. A exceção é um galpão amplo, ainda em construção, atribuído à
Universal do Reino de Deus.
Da porta do Salão Beleza Natural, uma
das sócias do negócio, Girlene Ferreira Santana, pragueja contra as montanhas
de lixo largado por moradores no canteiro central da avenida. No Sol Nascente,
apenas 25% da população tem coleta na porta de casa. O restante joga os
resíduos em estruturas semienterradas colocadas pelo governo para o
recolhimento pela companhia de limpeza ou, simplesmente, larga-os em qualquer
local, fazendo de várias esquinas e áreas vazias pequenos lixões dentro da
favela.
“Já colocaram contêiner aqui, mas
roubaram”, reclama Santana, que aproveita para criticar o comportamento de
parte da população: “Aqui tem gente boa, mas tem gente que não presta”.
Moradora do Sol Nascente desde 2004, a maranhense de 37 anos, que largou o
serviço como diarista para ser manicure e depois ter o próprio negócio, está o
tempo todo dando tchauzinho a quem passa na avenida — de ônibus, de carro, a
pé.
Popular pelo jeito debochado e direto,
Santana vende de máscara facial de uma conhecida — e cara — marca americana a
“dindin gourmet” no salão. “É a melhor chupada do Sol Nascente”, diz, ao
anunciar com uma gargalhada a “iguaria” congelada em saquinhos plásticos, ao
valor de R$ 3, enumerando os sabores disponíveis, como Ninho com Nutella, Kit
Kat e baunilha com limão. Santana tem uma sócia no salão, a também maranhense
Geigna Sousa da Cruz. Tímida e de fala mansa, é o oposto da companheira de
trabalho.
As conterrâneas se conheceram no Sol
Nascente, onde o Maranhão é a procedência de 19,1% da população, segundo
pesquisa de 2015 da Companhia de Planejamento do Distrito Federal que abrangeu
também uma área irregular próxima, bem menor, conhecida como Pôr do Sol. Em
segundo lugar, vem o Piauí, origem de 18,1% dos moradores. Ao todo, 48% dos
habitantes da região são de fora do Distrito Federal. Os principais motivos
para a mudança foram acompanhar parentes (47,1%) e procurar trabalho (17,3%).
Comércio se concentra nas ruas pavimentadasFoto: Jorge William / Agência O Globo
Foto aérea da favelaFoto:
Jorge William / Agência O Globo
Foto: Jorge William / Agência O Globo
Foto: Jorge William / Agência O Globo
A repórter Renata Mariz saindo de moto taxi para filmar as ruasFoto: Jorge William / Agência O Globo
Foto: Jorge William / Agência O Globo
As gêmeas universitárias Caroline Sousa dos Santos (camisa com listras
brancas) e Karine Sousa dos Santos
Foto:
Jorge William / Agência O Globo
Área dominada pelo tráfico de drogas no Sol NascenteFoto: Jorge William / Agência O Globo
Foto aérea do Sol NascenteFoto:
Jorge William / Agência O Globo
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Lhamas no minizoológico da
Congregação Ortodoxa Nossa Senhora AparecidaFoto: Jorge William / Agência O Globo
Costumes e crenças nordestinos estão
nas prateleiras do comércio formal e informal do Sol Nascente. Na Casa do
Nordeste Araras, onde copinhos de plástico próprios para café são vendidos com
cachaça caseira por um punhado de moedas, há “remédios” para praticamente todos
os males do corpo. O nome em uma embalagem com tampa vermelha e líquido escuro
não deixa dúvida: “Cura tudo”. O composto de plantas medicinais promete debelar
hemorroidas, úlceras, pedras nos rins, pressão alta, ácido úrico elevado,
varizes, entre outros problemas.
Outra substância de sucesso, segundo o
dono da birosca que se apresenta apenas como Gordo, é o “Taradão”, cujo rótulo
traz uma foto de um corpo musculoso só de cueca branca. Por R$ 18, o freguês
leva uma mistura de catuaba, pau de tarado, biriba de macaco, rabo de cavalo,
entre outros itens da composição, com a promessa de combater a “fraqueza
sexual”, mas também “mãos trêmulas” e “stress e dor no corpo”.
Atarracado, com uma circunferência
abdominal que valida o apelido, Gordo entremeia histórias dos garimpos por onde
passou no Brasil, no Suriname, na Venezuela e no Paraguai com propaganda dos
produtos que comercializa. Talvez mirando uma possível cliente, faz certo
suspense para falar à reportagem de ÉPOCA de um “verdadeiro campeão de vendas”:
o “Sangra d’água”, excelente para o útero, apetite sexual e fertilidade,
garante Gordo. “Não tem mulher que não engravide. Muitas passam aqui só para me
agradecer e dizer que, de certa forma, também sou pai da criança”, diz, num tom
sério.
Por volta das 11h40, pequenas filas
começam a se formar perto dali, no Mundial Utilidades em Geral, armarinho
pilotado pelo piauiense João Sampaio Abreu. O motivo do movimento é a comida de
R$ 5 a R$ 10 em pratos bem servidos. “É coisa popular, para matar a fome”,
conta Abreu. Ele vende por dia cerca de 350 refeições, entre marmitas para
levar e o que é consumido nas quatro mesas de ferro, dispostas no meio do
armarinho, cobertas de forro plástico com desenho de morangos e uvas.
Agregar um restaurante ao armarinho foi
uma medida de sobrevivência. “Com a concorrência, outros comércios se
instalando e a crise, as vendas caíram demais”, diz Abreu, que tem o negócio há
sete anos. Com o tempo, outro problema apareceu: a falta de segurança. O
comerciante contabiliza sete assaltos e arrombamentos em um ano e meio.
Ações de criminosos que frequentemente
entravam nos comércios, pegavam o que queriam, consumiam o que bem entendiam e
saíam sem pagar não ocorrem há algum tempo na favela. A violência, porém,
continua uma marca da região. Ceilândia, onde o Sol Nascente está inserido,
ocupa a 10ª posição entre 31 cidades do Distrito Federal na taxa dos crimes
violentos letais intencionais (homicídio, latrocínio e lesão seguida de morte),
com 16,4 ocorrências por 100 mil habitantes, segundo a Secretaria de Segurança
Pública do DF. De janeiro a abril, houve registro de nove assassinatos somente
na área do Sol Nascente, em comparação a seis no mesmo período do ano passado.
No mesmo período, os estupros passaram de oito para nove, e os roubos caíram de
265 para 165, um número ainda bastante elevado.
Nos muros da favela, embriões de
facções parecem disputar espaço e status. Não é raro, ao circular pelas ruas
mais afastadas, ver pichações sobrepostas do CSN (Comando do Sol Nascente), Os
Cão do Inferno (OCI) e Os Moleque Doido (OMD). Por mais infantis que pareçam as
denominações, as pequenas gangues já mostraram potencial de aterrorizar
moradores e comerciantes, com assaltos e homicídios tendo como pano de fundo o
comércio de drogas e, de alguns anos para cá, a grilagem.
“São criminosos que perceberam que a
grilagem de terras, além de mais rentável, prevê uma pena bem menor que o
tráfico”, afirma o delegado Fernando Fernandes, da 19ª Delegacia de Polícia,
responsável por uma parte da Ceilândia que engloba o Sol Nascente. Ao andar
pelas ruas da comunidade, de cabelos espetados modelados com gel, o policial é
parado por crianças e senhorinhas para um abraço ou aperto de mão.
Segundo Fernandes, a proximidade da
equipe de investigações com os moradores levou a um aumento de denúncias que
ajudaram a polícia a fazer uma série de prisões nos últimos dois anos. Ele
garante que as detenções esfacelaram as facções em formação. Ao contrário de
favelas cariocas, o Sol Nascente não tem bandidos exibindo armas, controle de
entrada de pessoas ou extorsão de moradores com serviços tipo gatonet. Mas, à
noite, a polícia não entra em determinados pontos sem um reforço.
O crime que está na origem do Sol
Nascente, uma área de chácaras até o fim da década de 1990 que começou a ser
parcelada e vendida, junto com terra pública, continua a ser praticado. A
grilagem conta com a participação de policiais militares, segundo órgãos de
inteligência da Segurança Pública.
Na última fronteira do Sol Nascente
“oficial”, muito além de onde terminam os postes de iluminação colocados pelo
governo, existe uma continuação da favela, com lotes sem qualquer documentação
vendidos por R$ 15 mil. Com o barraco no fim da última estrada, beirando um
vale, Hortência dos Santos Oliveira chegou há três meses ao local. “Sou a
última moradora do Sol Nascente”, diz.
A baiana Hortência
dos Santos Oliveira, a "última moradora do Sol Nascente" -
Jorge William / Agência O Globo
Repetindo trajetória de praticamente
toda a migração que povoou Brasília, Oliveira veio do Nordeste. Deixou
Mansidão, município baiano que registrou o menor PIB per capita do
país em 2014, em busca de uma vida melhor no Distrito Federal. “Serviço é muito
difícil lá na minha cidade”, diz a mulher de 22 anos, mãe de Hozeias, de 2
anos, e Aghata Sophia, de 3 meses. O marido é carroceiro e recolhe entulho,
enquanto ela cuida das crianças no barraco de tábuas de madeira e lona com
cerca de 25 metros quadrados e sem divisórias. Do lado de fora, cria galinhas,
um cavalo e um cachorro.
Para comer, a família conta com cerca
de R$ 200 que recebe do Bolsa Família, além do dinheiro incerto do marido. O
programa federal atende 9.590 pessoas no Sol Nascente — pouco menos de 10% da
população estimada. As famílias mais vulneráveis têm uma complementação por
meio do DF Sem Miséria, iniciativa do governo local, até atingirem uma renda de
R$ 140 per capita. Nas áreas mais pobres, como o local onde
Oliveira vive, a água e a luz são puxadas por “gatos” da rede que atende
legalmente a parte do Sol Nascente mais antiga. Cerca de 8.200 domicílios — 30%
— usam gambiarras para ter energia, estima o governo.
Segundo os dados oficiais, a água é
fornecida a 80% dos moradores da comunidade. Obras de infraestrutura estão
sendo feitas em determinados pontos da região. Mas só 25% têm coleta de esgoto.
Os dejetos percorrem dois caminhos: fossas ou a vala aberta. Sete linhas de
ônibus passam pela favela, mas somente uma vai até o Plano Piloto, a área
central de Brasília.
A partir das 5 horas, a movimentação
começa nas poucas avenidas por onde os ônibus transitam. A dificuldade dos
veículos de entrar nas ruas e vielas condena os moradores dos locais mais
afastados a andar até 6 quilômetros para chegarem a uma parada.
Agonia para uns, oportunidade para
outros. Por causa da distância para chegar ao ponto do ônibus, o serviço de
mototáxi se expande no Sol Nascente — inclusive com venda de “linhas”
informais. Lindomar Macedo trocou o trator em Araguatins, no Tocantins, pelas
duas rodas. Sem emprego como operador de máquinas, aceitou o convite de irmãos
que moram no Sol Nascente.
Há seis meses, roda dentro e nas
redondezas da comunidade de moto. Fatura pouco mais de um salário mínimo, dos
quais R$ 200 são usados para pagar a linha, que lhe foi vendida em parcelas por
R$ 1.000. Quem não consegue comprar a “permissão” tem de honrar uma comissão
semanal em torno de R$ 50 para o dono do esquema.
“Foi ele que começou a rodar aqui no
início, agora só vende mesmo as linhas”, desconversa Macedo, de 32 anos, quando
questionado sobre quem cobra dos mototaxistas. Um outro motorista consultado
também deu respostas evasivas a ÉPOCA. Entre os comerciantes da região, há
informações de que um grupo estaria extorquindo os numerosos jovens
desempregados da comunidade interessados em prestar o serviço.
A ausência do Estado, que permite a
criação de poderes paralelos que ditam as regras locais, é especialmente cruel
com as crianças e os adolescentes do Sol Nascente. Falta escola de ensino médio
— 24 ônibus do governo levam 1.000 estudantes para os colégios mais distantes.
Espaços de lazer se resumem a uma ou outra quadra de esportes em condições
precárias. Um parquinho pequeno se destaca no trecho 1, o mais desenvolvido,
mas não supre a carência de locais de convivência.
Também não há creches no Sol Nascente.
Hoje, 1.235 crianças da comunidade, de zero a 3 anos, aguardam vaga em unidades
públicas. A falta de ter com quem deixar a falante Marcela, hoje com 6 anos,
para voltar a trabalhar levou Evanilda de Oliveira a cuidar de outras crianças,
cujas mães viviam o mesmo drama. Criou-se a creche informal da “tia Doug”, como
ela é conhecida.
Na ausência do serviço oficial, o
arranjo informal na casa de mulheres da vizinhança se tornou frequente no Sol
Nascente. Tia Doug, baiana de 32 anos, cobra R$ 200 por criança em tempo
parcial e R$ 300 em tempo integral — manhã e tarde. Hoje, cuida de oito meninos
e meninas, mas já chegou a ter 22 sob sua responsabilidade. “De um tempo para
cá, muitos pais e mães ficaram desempregados, aí tiram as crianças”, conta a
cuidadora.
O governador do Distrito Federal,
Rodrigo Rollemberg (PSB), andou nas ruas do Sol Nascente pela primeira vez em
2013 — um ano antes de se eleger. Acompanhou os correligionários Marina Silva e
Eduardo Campos, que morreu num acidente de avião, no primeiro ato da campanha
presidencial da dupla em 2014, realizado na favela de Brasília.
A qualificação parece desagradar ao
governador. “Até o final de nosso governo, ninguém vai dizer que o Sol Nascente
é uma favela”, disse Rollemberg, enumerando as benfeitorias feitas e em
andamento, como pavimentação, drenagem de águas, rede de esgoto, iluminação
pública e a inauguração recente da primeira Unidade Básica de Saúde. As obras
de infraestrutura, segundo o governo, deverão consumir R$ 220 milhões.
O IBGE classifica como favela um
conjunto de no mínimo 51 unidades habitacionais ocupando ou tendo ocupado, até
período recente, terreno de propriedade alheia, pública ou particular,
dispostas, em geral, de forma desordenada e densa e apresentando carência de
serviços básicos. Parcelas do Sol Nascente poderão, de fato, fugir dos
critérios no próximo Censo, em 2020, se a infraestrutura estiver adequada.
Um passo importante para dar status
efetivo de moradia legal ao local, além dos serviços básicos, é a regularização
fundiária. É uma promessa que nem Rollemberg, pré-candidato à reeleição em
outubro, ousa fazer. Hoje, apenas 362 imóveis no Sol Nascente têm escritura —
pouco mais de 1% do total de moradias estimadas, segundo base cadastral ainda
de 2016.
“Efetivamente o Sol Nascente continua a
crescer, mesmo com o combate sistemático e rigoroso da grilagem, o que vai nos
obrigar a rever o projeto de regularização, elaborado em 2009”, explica
Rollemberg, ao frisar que já entregou 52.800 escrituras em todo o DF — poucas
delas no Sol Nascente. Numa reflexão sobre o persistente problema de invasão de
terras públicas na capital, o governador afirma: “É uma cultura da cidade,
praticada pelos mais pobres e pelos mais ricos”.
O próprio nome de Ceilândia é derivado
da sigla CEI, de Campanha de Erradicação de Invasões, deflagrada ainda no fim
da década de 1960 para transferir favelas que se formavam ao redor de Brasília.
Ceilândia e outras cidades foram criadas no Distrito Federal para receber os
moradores dessas áreas invadidas. No bairro mais caro da capital, o Lago Sul,
proprietários de mansões também se apropriaram por décadas de terra pública
para estender seus quintais à beira do Lago Paranoá. Apenas recentemente, a
orla foi desobstruída pelo governo Rollemberg. Condomínios fechados, ocupados
pela classe média em área irregular, são outra faceta da grilagem que permeia a
história de Brasília.
O mesmo Sol Nascente que choca pela
miséria extrema vista em suas áreas mais remotas também pode surpreender. É
inacreditável ver o que há por trás de um portão ao fim de uma das tantas ruas
de terra. Um zoológico com bichos exóticos se descortina: dois emus, quatro
lhamas, cinco minibodes, três pôneis, dois gansos, dois pavões, três araras e
um tucano fazem parte da fauna mantida pela Comunidade Ortodoxa Nossa Senhora
Aparecida, mais conhecida como “Chácara da Gruta”.
Crianças com necessidades especiais, em
virtude de deficiência motora ou mental, fazem ecoterapia aos sábados com os
animais. Também há turmas de futebol. Cerca de 100 pessoas são atendidas no
total. Tudo acontece com a ajuda de voluntários. Irmãs com longas túnicas
escuras circulam pelo lugar amplo, que abriga as casas dos religiosos, ligados
à Igreja Católica Ortodoxa.
Em outro ponto da propriedade, um altar
de pedra com a imagem de Nossa Senhora acima de uma nascente de água límpida —
uma das poucas não soterradas pelas construções do Sol Nascente — atrai
católicos até de fora da comunidade. Eles rezam, fazem e pagam promessas no
lugar, que fica em frente a uma mata fechada, que dá um ar bucólico ao local.
“É um paraíso no meio da favela”, diz a irmã Maria de La Salete.
Outra razão de orgulho no lugar são as
gêmeas Caroline e Karine Sousa dos Santos, de 19 anos, cabelos pretos e retos
quase na cintura e óculos de armações parecidas. Numa comunidade em que só
2,95% têm ensino superior, elas passaram com boa colocação na Universidade de
Brasília (UnB) após terminarem o ensino médio. “Parece que a gente ganhou na
Mega-Sena”, diz Caroline, que faz economia. Karine cursa serviço social.
As gêmeas Karine e
Caroline Sousa dos Santos, que ingressaram na universidade pública e são
orgulho da comunidade - Jorge William / Agência O Globo
Brincadeiras à parte, as garotas sabem
que são exceção em seu meio e veem o lado bom de transitar em “dois mundos” — o
da universidade, alcançado após duas horas e meia no transporte público
diariamente, e o da favela. “Muitos professores falam da desigualdade e citam o
Sol Nascente nas aulas. Claro que estudar no papel é importante”, disse
Caroline. “Outra coisa é saber como é, viver aquilo. É preciso mudar essa
percepção das pessoas daqui, de que elas não podem ir além.”
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